A minha infância e adolescência foram vividas nas décadas de 80 e 90. Outrora os valores que perduravam vinham de casa para a sociedade, onde o respeito tutelava as minhas atitudes comportamentais, quer fosse na escola, no futebol ou na vida social.
Claro está que, mesmo nessa época, a cultura do quase vale tudo no futebol já era uma realidade presente nos campos de futebol, onde o insulto e o desrespeito pelos mais diversos intervenientes ocorria com determinada aceitação cultural.
Porém, daí até vermos o sistema judicial a dar cobertura a semelhantes condutas, vai uma longa distância e a mais recente decisão dos juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa é de fato, no mínimo controversa e até mesmo abominável.
O acórdão em apreço, baseia-se em considerações polémicas para afastar o enquadramento penal de injúrias, defendendo que «comportamentos reveladores de baixeza moral são de alguma forma tolerados na cena futebolística».
Este mesmo acórdão, refere-se ao decurso de um jogo onde um delegado insultou um técnico afirmando «vai lá p’ra barraca, vai mas é pó c…seu filho da p…».
O Tribunal em apreço, considerou que «tais expressões feitas no seio do mundo do futebol não se podem considerar que tenham atingido um patamar de obscenidade e grosseria de linguagem», conforme consta no acórdão.
Ou seja, «no contexto de acesa discussão, numa envolvência futebolística em que foram proferidas, aquelas palavras não têm outro significado que não seja a mera verbalização de palavras obscenas, do sendo absolutamente incapazes de pôr em causa, o caráter, o bom nome ou reputação do visado». Esta decisão vai ainda mais longe ao defender «um comportamento revelador de falta de educação e de baixeza moral e contra as regras de ética desportiva é de alguma forma tolerada nos bastidores da cena futebolística».
Confesso que estou particularmente surpreendido com o teor deste acórdão, pois na prespetiva daquele tribunal, um recinto desportivo é uma espécie de offshore onde, no seu interior, se pode praticar o que é criminalizado no exterior.
No meu ponto de vista esta é uma decisão gravíssima pois derruba os esforços de professores, pais, autoridades desportivas, planos de ética no desporto que tanto se vão empenhando em regular comportamentos em situações desportivas.
Ao se aceitar que são aceitáveis expressões que ferem o património pessoal, humilham, mancham a honra e a dignidade pessoal, o exemplo que se transmite é socialmente muito negativo.
Não, não vale tudo no futebol, pois o Código Penal Português aplica-se em todo lado e todas as circunstâncias. Assim o Art.º 181 refere que «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias».