Não pretendo com este artigo fazer qualquer tipo de crítica sobre algo ou alguém em específico, até porque, enquanto agente que desempenhei funções na área da formação desportiva não fui exemplo em todos os momentos no que concerne a esta matéria.
Quem de nós enquanto encarregado de educação, treinador, dirigente, coordenador ou outra função, já dirigiu o seu olhar sobre um campo, onde decorria um jogo ou um treino de crianças e olhou tudo pela mesma medida?
A formação desportiva requer um outro olhar muito similar à formação escolar, digamos, na medida de um modelo ecológico de relações. É determinante considerar a influência das interações dos contextos proximais ao nível da família, do clube, do grupo de amigos e da escola.
Sempre que olharmos para um “menino” em campo, devemos olhá-lo sempre sobre quatro perspetivas fundamentais. Enquanto pessoa e atleta e suas características individuais, nomeadamente as suas competências motoras, físicas e psicológicas, assim como os episódios positivos e negativos vividos no seu percurso individual.
Depois devemos olhar numa perspetiva dimensional do tempo, relacionando as experiências acumuladas de tempo para brincar de forma livre em diversos espaços, tempo de jogos com regras em termos individuais ou de cooperação-oposição: e a experiência de prática de modalidades desportivas organizadas e referenciadas a regras universais.
Olhemos agora a perspetiva do contexto, considerando a estimulação existente no contexto familiar e proximidade da habitação (brincar na rua), o índice da mobilidade na comunidade e principalmente das experiências lúdicas e motoras na escola (recreio, educação física escolar e desporto escolar) e as experiências práticas vividas em clubes desportivos através da frequência de modalidades de iniciação desportiva.
Por fim, o olhar deve recair sobre o processo, considerando a passagem por diferentes etapas da formação desportiva (estimulação motora, aprendizagem motora, prática motora e especialização motora).
Os pais, treinadores e dirigentes desportivos devem assim ter mais atenção à compreensão da complexidade de fatores que estão envolvidos na formação desportiva de crianças e jovens.
Deve ser dada oportunidade às crianças para vivenciarem, numa primeira fase, uma cultura motora eclética, numa cultura de rua intensa e uma apropriação de habilidades motoras e percetivas muito diversificadas. Os atletas de alto nível brincaram muito na rua e foram felizes, não se fabricaram apenas em laboratório.
Existem crianças que são talentosas e nos clubes não se deve/pode impor desde muito cedo uma prática muito especializada sem explorar primeiro as tendências que essa criança pode apresentar. Determina-se assim, que deve ser adotado e seguido um documento orientador na formação desportiva dos atletas que garante o respeito por um modelo ecológico.