«Treinar futebol de formação é muito mais do que o treino propriamente dito»

Em 1999 Fernando Pires abriu a primeira escola de futebol na região como o seu próprio nome: “Escola de Futebol Fernando Pires”. Durante mais de uma década formou jogadores, treinadores e mesmo dirigentes no futebol mais jovem. É com ele, Fernando Pires, treinador dos juvenis do Merelinense, que abrimos este ciclo de entrevistas ao futebol de formação, com o intuito de dar a conhecer os treinadores e também os jogadores, principalmente aqueles que esta época viram interrompida de forma abrupta o seu último ano na cadeia de formação nas camadas jovens.

 

Que balanço faz da temporada?
Apesar de a equipa ter descido de divisão o balanço é positivo. Esta equipa foi construída na sua totalidade por atletas que jogavam no futebol distrital, muitos deles na segunda distrital. Por isso, foi difícil, numa primeira fase, ganhar entrosamento, rotinas e ritmo competitivo. Na primeira fase, o campeonato também não ajudou porque só efectuámos um jogo, ou seja não havia segunda volta. Nas primeiras jornadas defrontamos praticamente as melhores equipas, como o Guimarães, o Rio ave, o Chaves, o Braga, acabamos por sair derrotados e a motivação dos atletas foi baixando. Lembro que fizemos apenas 7 pontos.
Na segunda fase, com o trabalho efectuado, com os jogos realizados a equipa melhorou como da “água para o vinho”, realizando uma segunda fase extraordinária. Conseguimos 17 pontos, mas que não foram o suficiente para obter a manutenção. Fica o sabor amargo da primeira fase, mas com consciência de que os atletas tudo fizeram para o conseguir e também fica a satisfação da equipa técnica pela evolução dos seus atletas.

Existe muita diferença entre os nacionais e os distritais?
Sim, mas salientava fundamentalmente a experiência dos atletas e o ritmo competitivo.

A selecção de jogadores é mais fácil quando treina equipas nos nacionais?
Sem dúvidas, mas mesmo assim nós íamos para os nacionais e tivemos muita dificuldade na captação de jogadores. Isto porque existem na proximidade muitos clubes nos nacionais, caso do Famalicão, Moreirense, Braga, Palmeiras, o próprio Gil Vicente na Divisão de Honra que apostou para subir, dificultou muito a nossa tarefa.

 

  • Para se ter  sucesso não basta ter conhecimentos profundos da modalidade

O Merelinense trabalha bem na formação?
Sim trabalha. Já tem nas suas equipas, treinadores muito competentes no seu trabalho e na sua organização. É um clube também de referência para os atletas e treinadores, embora haja sempre algo a melhorar.

E que avaliação faz ao trabalho desenvolvido pelos clubes da região?
Para se ter algum sucesso não basta ter conhecimentos profundos da modalidade, precisa também de ter a capacidade de saber ensinar, de saber comunicar e apresentar as informações de forma que todos os jogadores possam entender e aprender de forma correcta.
Para um treinador de formação, o objectivo principal deverá ser a progressão individual dos jogadores, o que por vezes não acontece devido à enorme vontade de ganhar jogos.

Podia trabalhar-se melhor ou não há condições para isso?
Podia, mas as condições também não são as melhores, devido principalmente em muitos clubes ao excesso de atletas e de equipas. Isso faz com que não exista muito espaço de treino para desenvolveres um trabalho com qualidade.

 

  • Também foi uma boa escola de treinadores e dirigentes

Foi um dos primeiros a criar uma escola de formação “Fernando Pires”. Porque deixou de funcionar?
Foi a primeira escola de futebol em Braga. Abriu em 1999 e encerrou em 2014. Durante cerca de 10/12 anos funcionou perfeitamente bem. Sempre com grande quantidade e qualidade de atletas, muitos desses atletas hoje são profissionais. Também foi uma boa escola de treinadores e dirigentes. Encerrou porque em Braga começaram a aparecer os clubes de futebol a formarem escolas, começou a haver escolas de futebol mais perto das residências dos atletas o que nos dificultou bastante e achamos por bem fechar as portas.

Acha que as escolas/academias são importantes para a formação ou estão a tirar miúdos aos clubes?

As escolas e as academias são importantes na formação, mas não estão a retirar atletas aos clubes. Na minha opinião as escolas estão a perder os atletas para os clubes e nas academias só estão jogadores de qualidade, os seleccionados, os observados pelos “olheiros”.

 

  • O treinador de futebol de formação
    deve ser alguém com uma grande sensibilidade

O treinador de formação tem de ter um perfil diferente de quem treina uma equipa sénior?
O treinador de futebol de formação deve, na minha opinião, ser alguém com uma grande sensibilidade para perceber o que o jovem precisa. Deve perceber onde o pode ajudar e, sobretudo, ter a capacidade para não ser apenas um treinador de futebol, mas sim um “irmão mais velho, um pai, uma mãe, um amigo, um conselheiro”. Treinar futebol de formação é muito mais do que o treino propriamente dito. É ser uma referência para o jovem e ajudá-lo a ser melhor, não só como jogador, mas também como homem. Para ser treinador de jovens futebolistas não basta ter muito conhecimento do jogo e do treino, é necessário muito mais do que isso.

 

  • Tenho recebido algumas propostas

Vai continuar no Merelinense ou tem outras propostas?
Até a data de hoje o Merelinense não falou comigo. Tenho recebido algumas propostas para treinar e até mesmo para coordenar. A curto prazo vou tomar a decisão final.

Para quando o regresso ao futebol sénior?
O regresso vai depender muito do projecto apresentado. Acompanho com grande frequência os campeonatos, aguardo que o telefone toque.