Esta semana trago até vós, leitores Desportivo, uma reflexão critica sobre aqueles que, talvez, pouco ou nada sejam lembrados em tempos de pandemia. Serão, certamente, cerca de 95% do universo de treinadores de futebol, com ou sem qualificação, que por este País fora desenvolvem actividade “precária” mas tão relevante.
Fui ao encontro de legislação nacional que proteja este formadores e aferi muito pouco, porque efectivamente quer me parecer que o legislador também muito pouco quer saber. O artigo 35.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto enquadra a categoria do “técnico desportivo”, sem especificar quaisquer funções caracterizadoras da actividade. Nem tão pouco densifica o conceito de “técnico”, limitando-se a realçar no n.º 2 do mesmo preceito a necessidade de garantir certas habilitações académicas ou profissionais para o exercício da profissão.
Desta norma não consegui extrair qualquer outra ilação para além da integração da actividade dos treinadores na categoria dos “técnicos”, enquanto “agentes desportivos”. Em Portugal o contrato de trabalho dos treinadores desportivos não é objecto de regulamentação especial. Aplica-se, por isso, o regime laboral comum. Contudo, muitas das soluções consagradas pelo código do trabalho revelam-se inapropriadas à realidade dos treinadores, o que gera uma lacuna.
Para superar a inércia legislativa, doutrina e jurisprudência têm defendido como principal alternativa a aplicação do regime especial dos praticantes desportivos, regulado pela Lei 28/98 de 26 de Junho. Não podemos dizer que esta solução é adequada para todos os casos concretos, mas em muitos deles constitui a única forma de conciliar a protecção do treinador com os interesses próprios da competição desportiva profissional.
Sendo o treinador a figura central do processo da preparação desportiva dos atletas é urgente que se reconheça em Portugal a importância social e desportiva desta profissão. Sim, profissão, e não ocupação de tempos livres. Sendo-lhe necessária formação, títulos profissionais, formação contínua, supostos vencimentos mínimos, ajudas de custo… então não se trata de uma questão de opinião.
O treinador de formação não poderia conseguir viver do seu trabalho? Serão menos importantes? Não lhes é reconhecida importância na função!? E perante este cenário, se desistissem da sua missão? A quem ficariam entregues estas equipas? Aos pais e adeptos em regime de voluntariado? Os mesmos que muitas vezes apresentam comportamentos que lhes deveria valer a interdição de frequentar recintos desportivos? Então, e a formação que neste momento é exigida? Terão esses voluntários vontade, tempo ou condições financeiras para se dedicarem a uma primeira formação básica de 2 anos?
Termino com a crítica ao principal responsável por toda esta situação…. o próprio treinador. Em primeiro lugar porque a classe apresenta-se conformada com a sua situação. Ao contrário dos outros profissionais, talvez nunca tenha sido sequer equacionado um protesto, muito menos uma greve.
Depois porque muitos treinadores partilham a mesma mentalidade dos dirigentes e adeptos e com isso deturpam o seu próprio papel. Também são partidários de que só o ganhar interessa. Temos em Portugal apenas um movimento associativo, a ANTF muito direccionada para a “elite” do treino. E se surgisse um novo movimento que protegesse estes 95%? Tipo Sindicato Nacional de Treinadores de Futebol de Formação?
Pois muito bem, neste momento com a época desportiva terminada em Março temos centenas de milhares de formadores que tinham alguns apoios, num cenário sem direitos, sem ajudas de custas, sem possibilidade de desenvolver uma actividade com paixão, no fundo, sem nada.