A menos de dois meses de entrar no ano das comemorações do centenário do clube, o Presidente do Maria da Fonte, Amaro Leite, deu uma longa entrevista ao nosso jornal. Advogado de profissão, o dirigente tem uma ligação forte ao clube onde cresceu pela mão do seu avô e agora, aos 40 anos, lidera com o mesmo entusiasmo com que o seu antepassado passava a grade para alisar o então campo de terra dos Moinhos Novos, que também faz 100 anos em 2026. O líder do emblema da Póvoa de Lanhoso abordou vários temas da vida do clube e confidenciou que a maior prenda que o Maria da Fonte e os associados poderiam receber seria um novo estádio.
Tinha dito publicamente que não iria voltar a recandidatar-se. O que o fez mudar de ideias?
A explicação é muito simples. É verdade que tinha dito que a minha vontade era sair, até por questões não clubísticas, mas pela minha vida pessoal. Tenho duas filhas pequenas que estão a precisar do pai e achei que, como era altura do centenário, apareceria alguém para tomar conta do clube. Como não surgiu ninguém a solução passaria por uma Comissão Administrativa. Para mim, em ano de centenário, era impensável que isso acontecesse, por decidi ficar mais dois anos de mandato.
Qual é a sua ligação ao Maria da Fonte?
Quando nasci o meu avô era Presidente do clube e desde muito pequeno que frequento o campo dos Moinhos Novos. Uma das memórias que tenho desse tempo era do meu avô a passar e marcar o campo que ainda era pelado. Tive sempre uma grande proximidade com o clube, fui sempre adepto, sócio e sabia que mais cedo ou mais tarde iria ser Presidente. No entanto, não pensaria que fosse tão cedo, pois quando o João Paulo, anterior Presidente, me convidou, em 2020, disse-lhe que estava focado na minha vida profissional, tinha sido pai há pouco tempo e não tinha tempo. Ele disse-me que eu ficava com um cargo mais protegido. Acabei por entrar como Vice-Presidente, mas passado um mês ele teve um problema de saúde muito grave que o afastou do clube e fiquei como Presidente interino, até 2022. Depois, o caminho natural foi candidatar-me.
Nunca foi atleta do Maria da Fonte?
Não. Costumo dizer aos jogadores, naquelas alturas em que o Presidente também tem de ir ao balneário, que sou adepto. Quando este clube perde doí-me muito, seja com o Arouca ou com o Celeirós, para mim é a mesma coisa. O meu passado é como adepto e sócio muito dedicado ao Maria.
Apanhou os tempos de pandemia. Não foram anos fáceis?
Não, essencialmente devido à ausência de adeptos no estádio, na questão financeira, porque o clube não podia fazer eventos e as empresas estavam fechadas. Desportivamente, foi uma época que começou por nos correr mal, tivemos uma fase negativa, mas as coisas evoluíram e terminámos a época a um golo da promoção à Liga 3. Podia ter sido uma história bonita, mas o Fafe acabou por ganhar o último jogo e subiu.
A realidade do Maria da Fonte é a Pró-Nacional ou os Nacionais?
Do ponto de vista financeiro, para o Maria da Fonte, é mais benéfico competir na Pró-Nacional do que no Campeonato de Portugal. Isto porque os custos no Nacional são superiores, não apenas na construção do plantel, mas sobretudo pelas despesas nas deslocações, organização de jogos, taxas de inscrição, é tudo muito superior. E depois não temos o retorno ao nível da bilheteira porque muitos dos clubes não trazem adeptos. Ao passo que nesta divisão temos proximidade com todas as equipas. Por isso, do ponto de vista financeiro, a realidade do Maria seria esta. Mas depois funciona a parte desportiva, da motivação, da estrutura e da realidade emocional e essa leva-nos a pensar que o Maria, um clube centenário, tem de estar no Campeonato de Portugal. Estivemos lá cinco anos consecutivos e pensamos que temos capacidade para regressar.
Deduzo então que o objectivo esta época é a subida.
Sim, nunca o escondemos, tanto esta época como na anterior. Mas se o Maria subir vamos com os pés bem assentes no chão, não vamos entrar em loucuras, porque não há meios para isso.
Assume que o ano passado foi uma época falhada?
Não foi totalmente porque ficámos em segundo, qualificámo-nos para a Taça de Portugal, onde este ano conseguimos chegar à 3.ª eliminatória, o que do ponto de vista financeiro é muito importante. Agora, não podemos negar que o objectivo era ganhar o campeonato e a Taça da AF Braga e falhámos.
Saída de Diogo Leite
«A minha relação com o Diogo não ficou beliscada»
E o processo da saída do Diogo Leite também não foi pacífico. Já está tudo sanado com o antigo treinador?
Conhecia o Diogo há muito tempo, não apenas dos tempos de jogador no Maria, mas também pelo contacto pessoal. No ano e meio em que trabalhei com ele tive sempre a frontalidade de lhe dizer que o considerava meu amigo, mas que iria sempre tomar as decisões que achava melhores para o clube. A entrada dele para treinador foi uma decisão pessoal minha. Ao fim da primeira época, o clube desceu aos Distritais e no dia seguinte o Diogo estava no clube para renovar contrato. Tivemos alguns problemas durante a época e achei que o clube tinha de tomar um novo rumo na parte técnica. Mas a minha relação pessoal com o Diogo não fica nada beliscada e penso que da parte dele também não, porque já conversámos depois disso. O Diogo é uma pessoa que todos respeitam pelo passado no Maria, mas foi uma decisão técnica minha enquanto Presidente. Se calhar seria mais fácil mantê-lo, mas achei que era o momento de procurar outro caminho. Assumo sempre as minhas decisões e se esta época não correr bem cá estou também para o assumir perante os sócios.
O que o levou a escolher o Filipe Gonça?
Quando traçámos o perfil do novo treinador tínhamos alguns pressupostos de que não abdicávamos. Teria de ser uma pessoa com um conhecimento profundo do campeonato, dos nossos adversários, alguém muito motivado e que quisesse triunfar no Maria da Fonte. Todo esse conjunto de prossupostos levou-nos ao nome do Filipe Gonça. Conversámos, explicámos-lhe o nosso projecto e ouvimos o dele, porque enquanto eu for Presidente, o projecto do Maria passará sempre pela aposta na formação e em atletas da Póvoa de Lanhoso. Ele percebeu isso e daí o plantel ter apenas 20 jogadores para possibilitar este intercâmbio com a equipa B, que está a funcionar muito bem. Estamos muito contentes com o trabalho dele, obviamente que tanto nós como ele queríamos estar à frente, mas sabemos que não podemos ganhar sempre.
Colocar os sub-19 nos Nacionais
O projecto da formação também passa por colocar uma equipa nos Nacionais?
A nossa aposta na formação tem sido gradual, claro que há sempre questões a melhorar. Mas o ponto de partida foi nunca diminuir o número de equipas, cimentar e fortalecer a posição da nossa equipa B, porque o ano passado foi uma época difícil. Claro que um dos nossos sonhos era colocar a equipa de sub-19 nos Nacionais. Sabemos que é um trajecto difícil, porque há equipas muito boas na Divisão de Honra. Penso que a Honra será o patamar mínimo para todos os escalões e queremos que a nossa equipa B também atinja esse patamar e, depois, logo que possível, subir os sub-19 ao campeonato nacional.
Isso obriga o clube a procurar mais e melhores infra-estruturas. Nesse aspecto estão satisfeitos?
Nesse aspecto nunca estamos satisfeitos. Costumo brincar muitas vezes com o nosso Vereador do Desporto, dizendo-lhe que eu acho que ele dá sempre pouco e ele pensa o contrário. Claro que os campos que temos ao nosso dispor não chegam, por exemplo, a nossa equipa principal, em virtude de termos um relvado natural, tem de treinar fora do Concelho uma vez por semana. Não pode utilizar o Municipal porque está a rebentar pelas costuras com as equipas da formação e também a equipa B. Obviamente que nos fazia falta mais um relvado sintético. No entanto, temos o compromisso do executivo camarário, até público na tomada de posse da Direcção, de que irá ser construído a curto prazo um complexo desportivo na Póvoa de Lanhoso. Penso que é fundamental para o Concelho e vai ser uma realidade em breve.
E o futebol feminino?
Estamos a trabalhar no sentido de formar uma equipa. O projecto será estudado na época de 2024/25, porque o nosso compromisso é começar a competir no ano seguinte. Sabemos que é difícil, até devido à falta de recursos e infra-estruturas. Teremos de treinar, numa fase inicial, num horário mais tardio, mas acho que o Maria tem de dar esse passo.
Cada vez mais eclético
Mas o Maria da Fonte não é só futebol.
Não, e cada vez menos será só futebol. Já tivemos várias modalidades ao longo da nossa história que depois acabaram. Neste momento, temos uma secção de basquetebol, com cerca de 120 atletas, quase todos da formação. Temos uma equipa de pesca desportiva que subiu agora à II Divisão Nacional. Criámos no ano passado uma equipa de Desportos Electrónicos (E-sports). E a ideia é ao longo deste mandato criar ou reactivar mais uma ou das modalidades, porque faz sentido o Maria ser cada vez mais eclético, até porque nem toda a gente tem jeito para o futebol.
O Maria carrega a bandeira do Concelho da Póvoa de Lanhoso. Sente que o clube é reconhecido pelas instituições e empresas locais?
Quem está na posição de Presidente do Maria nunca pode estar satisfeito com os apoios que tem, pois as necessidades do clube vão muito além dessas contribuições. O Maria da Fonte é um clube que tem um orçamento global na ordem dos 350 mil euros, é pesado, e vive, sobretudo, do apoio do Município e, depois, tudo o resto tem de ser procurado por nós. Mas claro que o Maria é reconhecido, há muita gente na Póvoa que gosta do clube e, com todo o respeito que temos pelos outros clubes, o Maria é o clube do Concelho.
Já se pode saber alguma coisa do programa do centenário?
Irá ser apresentado até ao final do ano. A comissão está a trabalhar por sectores. Mas não me cabe a mim divulgar o programa. Como diz o senhor Presidente da comissão, Álvaro Oliveira, não será um programa grandioso, mas sim para dignificar o Maria, as pessoas que passaram pelo clube e as modalidades. Vamos começar no dia 1 de Janeiro e terminar a 31 de Dezembro. Há pessoas que entendem que as comemorações deveriam terminar quando o clube faz os 100 anos, que é no dia 13 de Julho, mas nós vamos comemorar durante todo o ano cível, até porque no dia 8 de Agosto de 2026 o Estádio dos Moinhos Novos também faz 100 anos e vamos tentar prolongar a comissão mais alguns meses para comemorar esse efeito.
Qual o seu maior sonho enquanto Presidente do Maria?
O meu maior sonho era ver este clube a jogar num estádio que honre a história deste clube, que seja um estádio onde o Maria possa entrar recheado de jogadores da formação e do Concelho da Póvoa de Lanhoso. O Maria teve sempre jogadores que percebem a mística do clube, o que é ser um jogador à Maria da Fonte. Esse seria o maior presente para todos os adeptos. Sei que está para breve, mas não vemos a hora.